Sempre tive o hábito de dormir muito. Na infância, dormi por muitos anos em um beliche, claro que eu dormia no andar debaixo (porque o andar de cima pertence a quem tem mais direito e responsabilidade: o irmão mais velho). No meu caso, a irmã mais velha. Vivi isso até os doze. Aos treze, já tínhamos um quarto próprio, meu e da minha irmã, as camas foram feitas de uma madeira maravilhosamente pesada, dura e grande. Era confortável. Dormi por ali até os vinte. Briga vai e briga vem, fomos para casa nova: eu, mamãe e minha irmã (a dona do andar de cima). Nova configuração da casa: dois quartos. O quarto: pequeno. Compramos uma cama maravilhosa, que inclusive teve parte do dinheiro dos estágios que tivemos na época. O andar de cima era meu, e ela dormia quase no chão. Ali era momento de perceber que eu nunca, nunca houvera dormido sozinha. De fato, as circunstâncias da vida, a maneira de ser, fazer, nos levaram a uma relação simbiótica, mas com amor. E amor é esse trem que deixa você com frio na barriga, com instabilidade de emoções (já pegou uma louça sem lavar depois que você trabalhou o dia todo?) e muito exercício de paciência. E sobre paciência, falo que esperei por anos para sair de casa, minha irmã saiu aos vinte e dois, casou e foi morar em uma casa dela, só para ela, novinha em folha, e a cama sem andar de cima ou debaixo. Só com uma cama imensa, gigante, enorme: ali teria muito sexo, muito amor e muitas, muitas reconciliações (lembra a louça? Agora era toalha na cama.) inclusive, essa cama foi presente de alguns amigos: eu estava entre eles. Vejo uma loja da Ortobom e penso: como alguém vive dormindo em uma cama dura?! Deveria ser proibido. Cama é lugar que refugia nosso dia, nossas imperfeições, nossas derrotas, e o amigo travesseiro ainda enxuga muitas lágrimas. Não era certo que ali também se encontrasse desconforto.
Eu tinha terminado meu segundo relacionamento longo. Nunca fui de namorar. A solidão também era uma escolha. Terminadas estavam as duas relações. Em menos de dois anos, dois términos. Mas você não é o problema, você é bonita, legal, trabalha e é engraçada. Não acredite nisso, há pessoas que simplesmente não conseguem namorar. Travam. Têm medo de errar. Eu era uma dessas. Martírio, dor e culpa me fizeram sentir um enorme vazio. Mas por que comigo? Não se enxergar é também uma dor imensa. Eu agora, vinte e nove anos depois, já estava morando sozinha, agora com uma cama enorme, colchão, travesseiros, roupa de cama, tudo, tudo meu, mas eu ainda dormia no canto da cama. Dormia no canto porque eu assim acostumara, dormia no canto porque meu último relacionamento pedira, ficava assim “de lado”. Mesmo com espaço, eu ficava de lado, no lado e muitas vezes para nada. Busquei o tantra. Há anos, mais ou menos dois, eu lia acerca do que seria essa parada. Putaria, massagem, tem que ser nua? Por quê? E se eu me apaixonar por você? Esse homem é lindo. Cara, eu acho que estou no fundo do poço pra tentar uma merda dessas: assim, nua, sem nem tomarmos uma cerveja, taça de vinho ou conversa mais íntima? Eu estava lá, no sábado, às quinze da tarde. Já tinha conversado muito, com medo e receio, mas sem alternativas, eu tentava o tantra como uma única possibilidade de me (re)conhecer e me autoconhecer.
Liberdade. Há quatro dias terminei meu longo tratamento de dez sessões. Choro, choro, choro, raiva, amor e afeto fizeram parte do meu processo. A gente vê que nudez tem a ver com abrir o coração e não tirar a calcinha, a gente percebe que sexo tem a ver com concepção mais do que com uma vontade animalesca, a gente se dá conta que o afeto é necessário. Termino a última sessão: caramba, há quase quatro meses (meu terapeuta é desses humanos que viajam, somem e bebem cerveja. Não, ele não é místico, paz e amor, mas está sempre com a melodia dos risos nos lábios) estou nesse tratamento. A supraconsciência é divina, o sexo mudou (não, os caras não brotaram do chão, não facilitou o flerte, a diferença é que hoje eu escolho o que quero e quem vale o espaço de perder meu espaço na cama), mas o tantra trouxe para mim, depois de anos, vontade de escrever, risadas, laços reconstituídos e pela primeira vez: o meio da cama. Esparramada estou, no meio da cama, para provar que no canto eu só fico se eu me permitir. E no lado eu fico quando eu desejar, no canto só se eu quiser.
Tantra é cura: da gente, da cabeça e dos traumas de cair da cama por se colocar demais de lado.
Ps: o Leandro tem essa cara bonita, mas o coração dele é a melhor parte.
Com amor e afeto,
Amanda.
