Essa é uma ideia clichê, eu sei. Mas também sei que nem sempre o clichê válido é realmente integrado e seguido, apesar de ser facilmente compreendido. E é por isso que nós precisamos conversar sobre alguns deles de vez em quando, principalmente os que poderiam nos proteger de perder tanta saúde mental e energia — energia, inclusive, que pode acabar faltando para as coisas realmente válidas da nossa vida.
Mas vamos por partes…
Todos nós atravessamos a vida sendo guiados por temáticas inconscientes. Eu, por exemplo, quando olho para o passado, compreendo que fui guiado em várias situações por uma parte minha que chamo de “justiceiro interno”. Uma parte que, quando via alguma situação de injustiça — comigo ou com os outros —, automaticamente ia para a guerra para tentar trazer o que eu sempre imaginava ser “a justiça necessária”.
“E o que há de errado nisso, Leandro?”, você pode me perguntar… E eu respondo que pode haver tudo de errado, principalmente se essa dinâmica for inconsciente, porque significa que você será refém dela e que entrará nela sem nem avaliar a sua necessidade real, como eu fiz várias vezes quando mais jovem.
Por buscar justiça, eu invadi processos que não eram meus e acabei atrapalhando jornadas que poderiam ser ricas para a outra pessoa. Eu perdi amizades por me intrometer em assuntos — principalmente amorosos — dos quais eu nem fazia parte. Eu me meti em confusões profissionais em situações que poderiam ser simplesmente ignoradas e que detonaram minha saúde mental e deixaram marcas com as quais preciso lidar até hoje. E, o principal, por ser refém da busca por justiça — que na verdade era a busca por uma justiça para a minha criança interna, tão ferida no passado —, eu me tornei cego em relação à minha parte sombria, que também cometia injustiças enormes com os outros. Afinal, como explica a lógica compensatória junguiana, no inconsciente mora alguém que tem exatamente o contrário das características conscientes, e com a mesma força delas — o que Jung chamou de “irmão tenebroso”.
Pois bem, um dos objetivos da análise é nos tornarmos conscientes dessas temáticas para que possamos confrontá-las, despotencializá-las e ressignificá-las quando necessário. Hoje, depois de muitos anos trabalhando nisso, o meu justiceiro interno encontra-se comigo de outra maneira, e eu o uso quando ele é realmente e conscientemente necessário. Porém essa é uma dinâmica de disciplina constante, pelo menos por aqui, porque algumas situações, apesar de raras, ainda podem trazer sutis gatilhos que, caso não houvesse consciência, me fariam voltar à dinâmica passada, comprando batalhas ansiogênicas que simplesmente não valeriam à pena.
Em um mundo onde as pessoas estão cada vez menos conectadas consigo mesmas e cada vez mais projetivas, é realmente necessário escolher suas batalhas com sabedoria, pois, seja na temática da justiça ou em qualquer outra que seja a sua, muitas situações poderão aparecer em várias áreas de sua vida. E é preciso compreender que às vezes — e eu saliento que é às vezes porque em algumas o confronto é realmente necessário — um pequeno incômodo interno pode ser mil vezes melhor do que as consequências de um conflito desnecessário.
Maturidade, inclusive, é conseguir compreender a diferença entre conflito desnecessário e conflito necessário, mas isso é papo para outro dia…
Leandro Scapellato
